Projecto de Resolução, recomenda ao Governo que diligencie no sentido de assegurar a transparência na atribuição das verbas alocadas ao sector da Cultura.
O sector da cultura, é factual, nunca conheceu estabilidade, embora movimente milhões de euros e seja uma das faces mais visíveis do que é ser português, tanto a nível nacional como no além fronteiras.
Segundo o estudo “Reconstruir a Europa: a economia cultural e criativa antes e depois da covid19”, realizado pela consultora internacional EY (Ernst & Young Global Limited), a pedido do Grupo Europeu de Sociedades de Autores e Compositores (GESAC), as indústrias culturais e criativas (ICC) registavam, antes do surgimento da Covid-19, um ritmo de crescimento mais acelerado do que a média do crescimento total dos sectores económicos europeus. Tanto que, nas conclusões do documento, destaca-se o potencial das ICC para ajudar a União Europeia a sair da crise, afirmando que o sector criativo deve estar no centro dos esforços de recuperação da Europa.
Em Portugal, talvez surpreendentemente, o estudo aponta que, em 2019, o sector cultural representava uma percentagem acima de 2% do PIB nacional, pelo que será uma área primordial a ter em consideração.
Ana Paula Laborinho, Directora em Portugal da Organização de Estados Ibero-americanos, referia em meados do ano passado, que este sector “em Portugal, representa 3% do PIB e emprega 131 mil pessoas, na sua maioria com formação superior”.
E, no entanto, a nível europeu, segundo dados divulgados pela Eurostat em 2020, somos um dos países que menos investe em Cultura – a média europeia é de 1% de investimento do PIB no sector; Portugal fica-se pelos 0,6%.
Panorama que terá, talvez, tendência a alterar-se, a crer nas palavras da Ministra Graça Fonseca que, aquando da apresentação da programação cultural da Presidência Portuguesa da União Europeia, no final do ano passado, afirmou que “a prioridade política da Cultura durante este semestre seria a resiliência e a retoma económica dos sectores culturais e criativos, com uma dimensão muito particular às condições de trabalho e a um modelo social europeu da protecção social“. Referiu ainda que a realização de eventos diversos – como conferências, peças de teatro e concertos – previstos para o nosso país seria uma forma de “mostrar a importância que a cultura tem na vida”.
De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de Junho de 2020, no âmbito da Programação Cultural em Rede, foram destinados 30 milhões de euros, através de financiamento do FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, a municípios e entidades do sector cultural. A medida visou possibilitar, durante o Verão, a “realização de actividades culturais e turísticas”, permitindo que “as próprias associações culturais apresentem projectos em parceria com os municípios”. As verbas seriam, pois, um “apoio à realização de eventos associados ao património, à cultura e a bens culturais, com elevado impacte em termos de projecção da imagem das regiões, através da programação em rede a nível intermunicipal e ou regional, sempre que adequado”.
Mais recente é a Portaria n.º 37-A/2021, de 15 de Fevereiro, que “Aprova o Regulamento das Medidas de Apoio à Cultura no contexto de resposta à pandemia da doença COVID-19”, nomeadamente o Programa Garantir Cultura que, segundo o documento se lê no Artigo 3.º “é um programa especialmente vocacionado para o sector cultural, que inclui a criação de apoios, a fundo perdido, destinados a todo o tecido cultural, para o desenvolvimento de projectos artísticos, de criação e programação, em todas as áreas, nomeadamente as artes performativas, as artes visuais, o cruzamento disciplinar, o livro, o cinema e a museologia.”. Com uma dotação de 42 milhões de euros, o programa abrange dois subprogramas: um direccionado ao tecido empresarial e outro às entidades artísticas singulares e colectivas que prossigam actividades de natureza não comercial.
Paralelamente, há ainda lugar a outros apoios diversos, a saber, segundo artigo 1.º daquela Portaria: “b) Apoio extraordinário aos artistas, autores, técnicos e outros profissionais da cultura; c) Apoios no âmbito da Direcção-Geral das Artes (DGARTES); d) Apoios no âmbito da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC); e) Apoios no âmbito da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB); f) Apoios no âmbito das Direcções Regionais de Cultura; g) Apoios no âmbito do Instituto do Cinema e do Audiovisual, I. P. (ICA, I. P.); h) Programa de aquisição de arte contemporânea portuguesa do Estado.”.
O documento refere ainda que a operacionalização destas atribuições compete a diversas entidades, consoante o tipo de apoio em apreço. Assim, o subprograma Garantir Cultura destinado ao tecido empresarial tem relação a uma linha de apoio financiada por fundos europeus e a sua operacionalização compete “à autoridade de gestão do programa operacional respectivo”. Já a operacionalização dos apoios atribuídos às entidades artísticas singulares e colectivas de natureza não comercial e o apoio extraordinário aos profissionais da cultura estará a cargo do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), sendo as verbas concedidas e pagas através do Fundo de Fomento Cultural. Os restantes apoios competem a cada uma das entidades referidas no parágrafo anterior.
Nenhum dos documentos referidos, contudo, menciona qualquer tipo de mecanismo de monitorização dos apoios pedidos e atribuídos, o que seria desejável num país como Portugal, no qual parece existir um problema crónico no controlo do erário público e da aplicação de verbas de origem comunitária.
A Transparency International Portugal defende que a “boa utilização de fundos europeus é fundamental para assegurar o desenvolvimento sustentável do nosso país, isto numa altura em que se perspectiva um aumento exponencial dos riscos de corrupção e de desvio de fundos públicos associados ao maior pacote de medidas de estímulo alguma vez financiado pelo orçamento da União Europeia a Portugal”.
Não podíamos estar mais de acordo. Em 2012 foi publicado um relatório, no âmbito de um estudo feito em diversos países por esta entidade, rede internacional líder no combate à corrupção, e sem surpresa uma das suas conclusões foi que o “Sistema Nacional de Integridade português apresentou resultados mais baixos do que seria de esperar para um país desenvolvido, industrializado e inserido na União Europeia”.
Em 2019, no Índice de Percepção da Corrupção, um ranking elaborado pela mesma organização, Portugal continuava a estar a meio da tabela da UE, com a necessidade “de uma verdadeira Estratégia Nacional contra a Corrupção que inclua, além de meras alterações legislativas, reformas profundas no desenho e desempenho das instituições”. No ano passado, no mesmo ranking, Portugal desceu 3 lugares, registando a pontuação mais baixa desde 2012.
Na prossecução do combate à corrupção e no sentido de criar confiança, cremos que será importante implementar um regulamento de atribuição de apoios que vise criar um mecanismo para acompanhar todo o processo de atribuição de forma transparente, mas também tornar pública a alocação destas verbas, bem como o acompanhamento e avaliação da sua aplicação, verificando o cumprimento dos objectivos culturais e artísticos na base dessa atribuição. Como exemplo de boas práticas neste sentido, não podemos deixar de referir a Câmara Municipal de Viseu e “o VISEU CULTURA +, o subprograma municipal de resposta local à crise na Cultura e nas Artes”, cujas normas se encontram assentes nos princípios da igualdade, transparência, responsabilização e equidade.
“Importa dar publicidade a todo o processo, nomeadamente identificando, por exemplo, numa plataforma digital do Governo ou entidade pública, todas as pessoas ou entidades que se candidataram a determinado apoio, se foram ou não elegíveis e em que medida. Assim, esta informação deve ser pública, primar pela transparência, ser de fácil consulta e ter actualização frequente”, concliui.
Nestes termos, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, por intermédio do presente Projecto de Resolução, recomenda ao Governo que:
· Diligencie no sentido de assegurar a transparência na atribuição das verbas alocadas ao sector da Cultura, desde o momento das candidaturas à avaliação da sua aplicação e verificação do cumprimento dos objectivos culturais e artísticos de cada projecto destinatário de verbas, assegurando a publicidade de todo o processo.
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