Uma comunidade rural ainda a adaptar-se à transformação ditada pela industrialização. Um grupo de operários fabris que não se resigna à sua condição proletária e que procura no teatro um estímulo intelectual. A tragédia de uma morte de um jovem em contexto laboral. Assim se conjugaram as vontades para fazer nascer a companhia de teatro amador de Joane, no concelho de Vila Nova de Famalicão: o Teatro Construção.
Um filho da terra (Sérgio Agostinho) que também aí nasceu para o teatro, assume a responsabilidade de deixar um registo da memória dos fundadores e entrega a realização a Ramon de los Santos. Assim nasce o documentário OPERÁRIO AMADOR que é exibido, em antestreia, no próximo dia 19 de outubro, na Casa das Artes de Famalicão, no âmbito da programação do 6.º episódio do CLOSE-UP – Observatório de Cinema.
Sérgio Agostinho, diretor da Peripécia Teatro, refere que OPERÁRIO AMADOR é um filme que parte de uma “vontade muito íntima“, já que é natural de Joane e filho de um dos fundadores do Teatro Construção. Seguindo as pisadas do pai, Sérgio Agostinho indica que, partir dos 10 anos de idade, também começou a fazer teatro.
“Aos meus 17 anos saí e nunca mais voltei a Joane. Mas, quando saí já foi para fazer teatro e estudar teatro em Lisboa“, afirma.
“Em 2017, ocorreu-me esta vontade de primeiro, voltar a conversar com calma com aquela gente, de estar com eles, de perceber como foi a história deles, como é que eles decidiram fazer teatro e, depois, preservar a sua memória. E, do meu ponto de vista, a forma mais natural para conseguir isso seria fazer um filme. Assim nasceu este documentário“, conta Sérgio Agostinho.
O diretor da companhia Peripécia Teatro refere ser importante que todos possam ver este documentário “porque retrata uma época muito precisa do concelho de Vila Nova de Famalicão e do país“, mas com foco em Joane, uma localidade à altura profundamente industrializada, numa transformação repentina de um mundo rural para um mundo industrial, com todas as problemáticas associadas. “E no meio deste caldo surge um grupo de teatro. Essa é a história que quisemos contar neste filme“, explica.
Sem que tivesse conseguido uma “resposta clara” sobre o facto de aquele grupo de operários ter decidido avançar para a criação do Teatro Construção, Sérgio Agostinho crê que “foi quase por um acaso. Foi o teatro que nasceu como poderia ter sido, porventura, um jornal – porque também houve movimentos jornalísticos“. E mergulha do documentário para falar que aqueles protagonistas “estavam a formar a sua consciência enquanto operários; muitos dos elementos pertenciam à Juventude Operária Católica e que tinham uma atitude de observação, crítica e ação na sociedade. Nesse grupo de jovens havia uma pessoa que tinha alguma experiência e conhecimento na escrita de teatro. Numa ocasião em que morreu um trabalhador jovem, de 17 anos, numa explosão na fábrica da ‘Carides’, esse grupo de jovens da JOC escreve um espetáculo original e estreia esse espetáculo no centro paroquial de Joane com o título ‘A morte de Valentim’ que foi de uma explosão tal na vida daqueles operários e nas pessoas que assistiram a essa representação que marca o início do movimento teatral em Joane. Esta é a minha interpretação e é aquilo que transparece no filme“.
Depois disto, por força da intervenção artística, mas também política, o documentário dá nota que o Teatro Construção acabou por contribuir para o crescimento e afirmação da até então incógnita localidade de Joane como “o epicentro cultural” da região. “Um dos fundadores do Teatro Construção disse-me que o sonho deles era realmente tornar Joane num farol da cultura teatral a nível nacional e creio que na altura eles conseguiram isso mesmo“, sublinha Sérgio Agostinho. Pelo envolvimento político de vários dos elementos do Teatro Construção, também foi gerada uma nova afirmação da localidade a nível municipal.
A realização entregue a Ramon de los Santos é adjetivada como “natural” por Sérgio Agostinho, já que se trata de alguém com quem tem trabalhado e com o qual não esconde “uma grande afinidade pessoal e artística“.
Sérgio Agostinho adverte o espetador que OPERÁRIO AMADOR é “uma versão da história. É a versão da história vista pelos olhos e pelas memórias destes operários” e, por isso, “não é uma história definitiva do Teatro Construção nem muito menos é a história da Associação Teatro Construção, porque esta associação é, hoje em dia, um mundo de valências e este documentário não reflete essa história associativa. Este documentário tenta refletir a memória destas pessoas, a sua força na medida em que decidiram fazer teatro como uma via de transformação social“. Para o futuro, Sérgio Agostinho aponta que “a porta a novos filmes/documentários está aberta para a Peripécia Teatro“.
OPERÁRIO AMADOR de Ramon De Los Santos_19. Out (18h30, GA)
Título original: Operário Amador (Portugal, documentário, 2021, 60 min)
Classificação: M/12
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