Os últimos dias, marcados pela intensidade do mau tempo entre quinta-feira e domingo, trouxeram consigo não só chuva torrencial e vento forte, mas também um pico preocupante nos pedidos de auxílio à Proteção Civil. À medida que as cheias e os estragos se tornavam visíveis, o olhar da população rapidamente se voltou para as autarquias, apontando o dedo aos responsáveis municipais pelas falhas que, na opinião dos cidadãos, agravaram a situação.
A crítica mais veemente e recorrente incidiu sobre um problema que se repete a cada ciclo de precipitação mais intensa: sarjetas entupidas e sistemas de drenagem que se revelaram manifestamente incapazes de lidar com o volume de água. As queixas estenderam-se a vias intransitáveis e inundações que, em muitos casos, poderiam ter sido mitigadas com uma manutenção preventiva mais rigorosa. Este cenário levanta uma questão crucial sobre a preparação e a priorização da gestão de infraestruturas a nível local. É legítimo que os cidadãos exijam que o básico, a limpeza das redes de escoamento, esteja em ordem para enfrentar o inverno.
Contudo, a análise da situação não pode cingir-se apenas à responsabilidade autárquica. É imperativo reconhecer que o clima está alterado. Aquilo que antes era considerado precipitação “excecional” está rapidamente a tornar-se a “nova normalidade”. As chuvas torrenciais e localizadas que assistimos nos últimos anos caracterizam-se por uma intensidade e um volume que superam em muito os parâmetros para os quais as infraestruturas existentes foram originalmente concebidas.
Isto leva à inevitável conclusão: a conjugação da forte e súbita precipitação com a sobrecarga dos sistemas de drenagem não permite, muitas vezes, uma resposta eficaz. Mesmo as sarjetas limpas, perante um caudal que excede em 200% ou 300% a sua capacidade de escoamento, falham. O problema deixa de ser apenas de manutenção e transforma-se num desafio de engenharia climática e resiliência urbana.
Para Lá da Culpa: O Caminho da Adaptação
Os autarcas, que são a linha da frente do descontentamento, encontram-se num dilema: são cobrados pela manutenção deficiente (onde a culpa é clara), mas também são confrontados com a incapacidade estrutural de infraestruturas que, na realidade, precisariam de ser remodeladas ou ampliadas a um custo astronómico e com obras profundas.
Apontar o dedo é fácil, mas o que é necessário é uma mudança de paradigma. As autarquias têm de reforçar drasticamente a manutenção preventiva, elevando-a a uma prioridade máxima. No entanto, é igualmente urgente iniciar a discussão e o planeamento a longo prazo para a adaptação das cidades ao novo regime climático. Isto implica:
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- Investimento em ‘Infraestruturas Verdes’: Soluções baseadas na natureza (telhados verdes, pavimentos permeáveis) que retardam e absorvem a água.
- Redimensionamento da Rede: Estudos de engenharia para aumentar a capacidade de escoamento em pontos críticos.
- Alertas e Limpeza Proativa: Uso de tecnologia para identificar e limpar preventivamente os pontos de maior risco antes de eventos de mau tempo.
Enquanto a fúria da população é compreensível e serve como um importante catalisador para a ação imediata (limpeza de sarjetas), a verdade é que os eventos da última semana são um sinal de que os remendos já não chegam. O desafio agora é evoluir de uma cultura de reação para uma cultura de adaptação climática, onde as novas infraestruturas urbanas consigam conviver com a intempérie, por mais extrema que esta seja. O futuro das nossas cidades depende dessa coragem de investimento e planeamento a longo prazo.
Paulo Jorge Silva – Diretor
Famalicão Canal TV
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