Não sei se já repararam, está para breve o mundial de futebol no Qatar (doravante “mundial”). Alguma das leitoras conhece o sistema kafala? Certamente que sim. De maneira simplificada, este sistema é utilizado em países muito pouco recomendáveis, ali para a zona do Golfo Pérsico, para monitorizar os trabalhadores migrantes que para lá vão trabalhar sobretudo no setor da construção. Quem não reconhece a plenitude dos direitos humanos no Líbano, na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos, no Omã, no Qatar, etc…? São, como sabemos, países onde se transpira direitos humanos…
Continuando… este sistema kafala, exige que estes trabalhadores migrantes sejam patrocinados pelo seu empregador, que fica responsável pelo seu visto e estatuto legal. Só isto, já é assustador, mas reparem: como acham que são tratados estes trabalhadores migrantes? Abusos, salários miseráveis – quando os há -, escravatura, passaporte confiscado, trabalho forçado, sem folgas, desequilíbrios de poder. Resumindo, inexistentes condições de trabalho e vida.
Imaginem o que era ver um jogo de futebol a acontecer num estádio que foi construído com este sistema de exploração de migrantes? Coisa horrível, não é? Que bom que o mundial do Qatar nada tem a ver com isto…
Como somos hipócritas, a começar nas instituições de maior poder, como a FIFA, corrupta em todo o seu espectro, até nós, que vamos seguir e apoiar a seleção de futebol portuguesa, ignorando as condições de vida daquelas pessoas que construíram aqueles espaços para receber o mundial. Uma vergonha. Não me peçam para compactuar com estas coisas.
Poderão questionar, e o mundial de futebol na Rússia, foi diferente? Claro que não. Nós, infelizmente alinhamos com estas instituições corruptas. Somos os primeiros a apoiar e festejar o facto de a seleção ir a um mundial onde os direitos humanos são inexistentes. Preferimos a merda do futebol a lembrar que mais uma pessoa foi explorada para aquilo existir.
Não me venham com a história do governo do Qatar de “anúncio do fim do sistema kafala”. Nada disso é real. Não preciso de referir os direitos políticos daquelas pessoas, pois não? Dos partidos que não existem? Das liberdades? Das liberdades de orientação sexual? Já sei, já sei, tudo isso é irrelevante porque não conseguimos mudar nada. A conversa do costume. Garantidamente com a participação dos países ocidentais e das democracias neste mundial não transformamos nada.
Infelizmente continuamos a consumir mal e inconscientemente. Os jogos olímpicos em Pequim não narram histórias diferentes. Infelizmente as democracias deixam-se levar pelo dinheiro do petróleo e do gás natural. E quando falo de democracias, falo de nós, que tão livremente consumimos produtos fabricados na China, no Bangladesh, no Camboja, etc… Eu sei, se paramos de consumir dali as pessoas morrem.
A história do petróleo e do gás natural é idêntica. Muito bem, paramos de importar da Rússia. E vamos importar do Médio Oriente? As condições de trabalho são melhores? As liberdades são maiores?
Tudo isto é complicado, e gerir todos estes condicionamentos é bastante difícil para os decisores políticos. Pelo menos que tenhamos consciência das nossas incoerências.
Não contem comigo para o pejo deste mundial. Infelizmente os portugueses vivem bem com esta vergonha…
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