Ir ao Alentejo, ao profundo das suas planícies e, ainda, revisitar as suas gentes, é viajar no tempo.
Olham-se os rebanhos de ovelhas que ceifam tudo que algumas terras, em poisio, dão, erva e pouco mais… Olham-se as oliveiras, graúdas e pequenas, e talha-se, aos nossos olhos, o verde. Olham-se dezenas e dezenas de Km2 e vemos, como semeados, painéis solares produtores da chamada energia limpa. Olha-se no infinito e ficamos inspirados pela serenidade que os campos nos transmitem. No Alentejo está lá o branco das paredes, a limpeza dos cantos, a anedota com traços das características humanas do povo, a imagem da cortiça a ser raspada dos troncos dos sobreiros, as vozes dos cantadeiros para embalar os meninos, o postal ilustrado dos cocharros ou cochos para se beber água…cada terra com o seu uso, cada roca com seu fuso…
No Alentejo sabe bem saborear os pratos típicos, como a sopa de cação, o cozido de grão, o ensopado de cordeiro, o queijo e a sericaia. No Alentejo ouve-se o sotaque próprio com vernáculos ao jeito dessa gente das planuras do sul. No Alentejo, sente-se, também, a desertificação.
Assentei arraiais numa aldeia da zona do Alandroal, durante 5 dias, no Monte de uma amiga de peito, dos meus tempos de jovem, a Bé, que abalou para Lisboa e por lá ficou, tendo feito carreira em duas televisões, com sucesso, pela sua tenacidade, inteligência e humanismo. Numa mini-mercearia que é, também, posto de Correios, a da D. Elsa, muita clientela. Estou na fila, para pagar. Uma senhora mais antiga já sem modos de vista – expressão típica – pede: “Ó Elsa toma lá o dinheiro, paga-te e faz-me o troco… já não estou para contas”. É uma cena que traduz confiança.
Comentário de um alentejano, também ele na fila (cito): “só aqui, minha vizinha. A senhora não caia na decência de dar o seu dinheiro aos políticos de Lisboa… olhe que eles amarram-se, lambendo-lhe tudo”. Era a gozação. A gargalhada soltou-se, ecoando na loja.
Na tasca-café, ao lado, do Ricardo, marido da Elsa, juntam-se, ao final da tarde, como chaparros cravados nas terras alentejanas, gente das lavouras. Bocas sobre a política, muitas. Atira um, mais afoito (cito): “a política caiu no poço”. Do balcão, de um mais veterano, vem outra conversa (cito): “lá andam, por Lisboa, os comedouros de sempre… e já lá vão 50 anos”. E sem pestanejar interroga a malta: “quando olham por nós?”. Silêncio…a narrativa estalou as consciências, fazendo-as romoer para dentro…
Fechava-se o cenário do Alentejo. A Semana Santa havia sido em Sevilha e Mérida, olhando as procissões dos Passos, com milhares de crentes em devoção, com o som dos silêncios que nos entra no espírito. A Missa da Páscoa, a da Ressurreição, em Terena, com um padre angolano que veio pastorar para o alentejo, onde a pressa se associa à do seu País Natal. Na despedida, olhando para trás, saudei a terra e acenei para os terraços terrenos, de uma planura sem limites no horizonte. Até breve…
Comentários sobre o post