Aproveitei este espaço do relatório da comissão independente sobre os abusos sexuais na Igreja Católica para voltar ao relatório do sínodo em Portugal realizado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), um documento dos longínquos de agosto de 2022. Um diagnóstico dos inquiridos sobre a Igreja Católica Portuguesa que ajuda a perceber as raízes do vanescer da Igreja. Um documento que não desejo ver esquecido.
Permitam-me começar com uma declaração de interesses: sou católico com alguma atividade e participação. E, acredito, vivamente, que a proposta de Cristo é o melhor caminho para a felicidade. E não tenho desconfianças, a Igreja Católica deverá continuar a ter um papel na maneira como a sociedade é arquitetada. Imagino que serão poucos a não reconhecer como universais os valores de Cristo. É, mesmo por essa razão, pelo alicerce que deverá representar, que me debruço sobre este relatório do sínodo português.
O relatório começa logo por comunicar a deficiente participação (“débil estratégia de participação, (…) comunidades que tiveram pouca ou nenhuma informação”), dificuldade na organização (“não se organizaram espontaneamente”).
Na introdução da apresentação dos resultados, destaco “foi sentida uma maior indiferença na população jovem, que se mostrou pouco confiante com o resultado do processo sinodal por acreditar que não serão implementadas mudanças na Igreja.”. Só este apontamento deveria obrigar a uma profunda reflexão. As gerações mais novas não acreditam numa Igreja transformadora. O paradoxo de sempre quanto estamos perante o maior revolucionário da história. É simples, uma Igreja que prega o “homem novo”, mas que não muda, acreditam os jovens.
É engraçado como o primeiro ponto da síntese dos resultados seja o facto de a Igreja ser “pouco inclusiva e acolhedora”. Nova contradição. Pregamos a disponibilidade do acolhimento e do estar ao serviço do outro. A prática coincide? O diagnóstico revela o contrário, referindo-se que existe discriminação para “quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã, isto é, divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género”. E continua “colocando em segundo plano as pessoas com deficiência, os mais pobres, os marginalizados e, consequentemente, desprotegidos”.
Independentemente, se concordo ou não com a totalidade deste primeiro ponto do diagnóstico, é nítido que algo terá que mudar. Ou a Igreja comunica muito mal o seu trabalho, ou efetivamente está a deixar alguém para trás. Não há dúvidas, o discurso da Igreja Católica sobre a orientação sexual e a prática sexual é ambíguo. Não é capaz de dizer “não te queremos cá porque és homossexual”, mas também não diz: “vem, temos todo o gosto em que tenhas um papel participado na comunidade”.
Infelizmente, e aqui concordo, o acolhimento é deficiente. No momento da consagração, uma das frases evocadas é “felizes os convidados para a ceia do Senhor”. Quem são os convidados? Para a Igreja nem todos são convidados…
O segundo ponto do diagnóstico sinodal português está interligado com o primeiro. Refere que a Igreja “tem dificuldade em fazer caminho com os jovens”, e mais à frente, “tem uma mentalidade retrógrada e desajustada dos tempos em que vivemos.”. A primeira pergunta a fazer é, a Igreja Católica quer mudar? Onde quer mudar? Como o faz? Como se estrutura uma mudança destas? As mudanças são realizadas por quem? Por leigos? Pelo clero? Pelo Vaticano?
Podemos discordar do diagnóstico, no entanto, ele representa uma realidade a que muitos estão sujeitos. O terceiro ponto é o meu favorito: “uma Igreja com uma atitude demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada e resistente à mudança”. Acrescentava aqui uma nota: “com tiques de realeza”. Já tive o gosto de assistir (aquilo não foi participar) a uma Eucaristia em que o presidente da celebração era acompanhado por duas pessoas que lhe seguravam a capa em certos momentos. Ridículo. Sou daqueles que acho que o papel do pároco é fazer crescer o papel dos leigos na comunidade. O sacerdote não está para decidir, nem para fazer, está para cooperar, tal como toda a comunidade. Chega de conselhos pastorais, reuniões e formações sempre presididas e deliberadas pelo clero.
Vou terminar no quarto ponto, ainda que a restante parte seja igualmente interessante, que fala da perda de relevância da Igreja na sociedade, da ordenação de padres casados e do sacramento da ordem para as mulheres, desigualdade entre mulheres e homens (sobre isto haveria tanto a falar olhando apenas para os evangelhos), formação laical deficiente, desadaptação ao digital, inadaptação à variedade de tipologias de famílias, problemas financeiros.
Retomando o quarto ponto que fala da escuta, ou melhor da “pouca disponibilidade para a escuta” e termina este ponto com uma anotação formidável: “atribuindo-lhes (à comunidade) um papel de recetores passivos”. É triste que ainda assim seja. A passividade da comunidade é promovida pelo pároco. Permitam-me um exemplo contrário: participei numa Eucaristia, que estava a ser transmitida on-line, e o pároco, fez a sua intervenção na homília com base nos comentários que iam aparecendo dos fiéis digitais. Este é um exemplo básico. Já fui a algumas Eucaristias em dezenas de paróquias e dioceses, e só por uma vez apanhei um leigo a fazer a homília. Que angústia… Talvez só os padres é que saibam como viver segundo Cristo…
O diagnóstico está feito (e alguns temas já são antigos). O que pretende fazer a CEP com isto? Aguardar as sessões do “sínodo dos bispos” do final deste ano, e do final do próximo? Só teremos conclusões no final de 2024. Aguardar é muito pouco. Já conhecemos o diagnóstico, já conhecemos os problemas. Olhemos para o que é estrutural: participação passiva, pouca participação dos jovens e decisões descentralizadas. Os párocos e leigos vão mesmo deixar tudo na mesma até 2025?
Paulo Vigário.
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